deixa-te de merdas
h: ena, por aqui?
m: que remédio... embora tenha de ser sincera - estou fartinha de ti.
h: ahaha - qué pasa ahora?
m: "ahaha"? Pouco sabes da vida. É o bom de não teres existência.
h: hey, calma não te fiz nada de mal... Não é que consiga evitar aparecer, certo? De certa forma até gostas de mim... eu sei, eu seiii! *língua de fora*
m: depende dos dias - e já paravas com isso, estou cansada. E esses dias não se aproximam de uma maioria.
h: que interessam as maiorias? Deixa-te de merdas.
m: ... entendo. Mas não sabes o que é isto. Esta coisa do existir. Do estar entre o não existir e do próximo não existir. Como carta atirada ao ar por um mágico que desaparece - nunca lá esteve...
h: *olhos revirados* contaaaa-me então! essa tal da existência que tanta confusão te traz como um carinho por resolver!
m: tu sabes... finges não saber. Podia dizer-te N de coisas - estás a ver? Ora aqui um bom exemplo. Quem foi o idiota que inventou "n" como número grande de algo?! Custa muito dizer MUITAS? Hoje não está fácil... tens a certeza que me ouves?
h: pffft, p'ra q'ué que estou aqui? J'apprends tout... agora, aqui e todas as noites anteriores...
m: leva isso mais a sério. Mas passo a explicar então - sabes quando tudo enerva, bom ou mau, bonito ou feio, delicado ou bruto? É um pouco como não conseguir mudar de divisão em casa porque o corredor está cheio de porcarias. Daquelas que não interessam a nada nem ninguém... Memórias vazias - daquelas que tento apagar -, papéis para queimar - temos de fazer isso, está em atraso -, assuntos para pensar - tal como agora... idiota.
h: quem, eu?!
m: sim, eu.
h: miúda... Acalma esse coração que isso não te faz bem. As they say, something something makes another something.
m: estás muito animada... não te entendo.
h: haha, ai sim? A menina só agora percebe? Ando por estes lados a pairar todos os santos - e menos santos - dias, estou aqui todas as noites, danço no escuro e pinto com luz, brinco com sons e palavras... e vens agora dizer que é surpresa?!
m: ainda é, sim. Ainda... não digo que não mude. Espero que sim. Que mude. Mas dá-me tempo.
h: isso já aprendi eu. Há demasiado tempo mas por agora... quel che sarà, sarà.
m: há coisas que nunca vais conseguir entender. É preciso sentir. Shakespeare estava errado - carne e ossos? É preciso electricidade, cérebro, química. Mais uma das merdas que irrita - malditos dizeres!
Mas eu falo com todo o apreço por ti... Tendo a perfeita noção da ridícula perda de tempo - por favor não interrompas - não deixo de sentir que preciso de mais.
Para quê? Olha, tudo e nada. Sendo que o nada tende a dominar mais por estes lados. E o tudo é mais complicado. Sabes que tudo é mesmo tudo.
h: precisa de ser?
m: não. Mas prefiro. É mais saboroso. Se tiveres uma garrafa de água de cada vez que estou completamente desidratada e quase a desfalecer, certamente teria mais prazer em bebê-la. Se dada a troco de nada não presta, é beber do vazio, nem faz sentido. E agora estou numa de tudo com um pouco de nada - a tentar equilibrar esta existência.
h: há outras?
m: não... haha... ha...! É una cosa strana como dirias.
É um impasse que acontece quando te moves, ok? Não sei explicar! Tu finges não saber e eu aqui a dar-me ao trabalho de explicar. Haja paciência!
h: eu não estou aqui para estas coisas! E não gozes com a minha maneira de brincar com a voz.
m: estás sim. Mas por hoje chega. Já fechaste os olhos?
h: estava com eles fechados há bastante tempo, tu é que começaste a esbardalhar o sono.
m: desculpa. Tens razão... Viste aquela merda do acordo ortográfico?! Aquele headline na televisão!? NOJO! FATO! Vê lá tu!! CONTATAR!! Loucura!!!
h: chiu... fecha os olhos...
m: não me apetece...
h: mas tem de ser vá - com calma, respira fundo...
m: estou a tentar.
h: assim... devagarinho...
m: uh-uh...
h: até amanhã