helenmarshmellow

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olá

como estás?

espero-te sempre bem...

parabéns. Não sei se sabes, talvez sim, talvez só estranhes os balões... De qualquer forma, parabéns.

não vou mentir. É uma merda. Ao ponto de não conseguir escrever nada no próprio dia. Deves ter percebido pela minha voz. Aquele tom estou-muito-animada-numa-tentativa-de-não-querer-morrer?

tu sabes.

mas é uma merda...

sei que me desculpavas se soubesses que preferia já não haver dia para celebrar de todo... era mais fácil. Só isso. Porque gosto demais de ti.

a casa continua vazia, mesmo com muito barulho, percebes? Ias gostar de como está tudo por aqui. Fiz umas mudanças (drásticas eu sei) e está bastante diferente mas ias gostar tanto... especialmente agora, com o granizo a bater no metal da varanda e contra os vidros grandes.

desculpa, estou vazia. Dói-me a cabeça e a esta hora ainda estou bem entranhada no pesadelo que tive esta manhã. Coisa estranha, um projecto qualquer de design que implicava ter vários buracos muito pequenos ao longo dos braços... recordo-me de pensar "não é estranho, sempre os tive". E mesmo depois de acordar como que esperei que os buracos continuassem no braço?

esquece... Deixo-me levar pelas imagens.

sabes quem faleceu? O Stephen Hawking... os meus heróis estão a morrer todos. Talvez não te tenhas apercebido mas concerteza já to disse - o mundo enlouqueceu desde o dia em que foste para o hospital.

já perguntei a várias pessoas (e fiz questão de colocar a mesma pergunta a pessoas quase desconhecidas, para que não haja influência nesta percepção) - "Sou só eu a achar que o mundo ficou desvairado num par de anos? São só os meus heróis que desaparecem num espaço curto?! As notícias são ou não mais assustadoras desde há uns 2 anitos?!". E descanso a alma quando me respondem "Tens razão, nota-se e sinto".

e poderá ser. O mundo pode estar de pernas para o ar de repente. Mas teria de concordar que provavelmente o abanão para a realidade fez-me ficar muito mais alerta para tudo o que de mau acontece, sabes?

é como só conheceres sabores doces... ou cores quentes... durante a vida é tudo açucarado, umas vezes mais, outras menos, mas dentro da doçura. De repente experimentas um pouco de sal e a partir daí os sentidos estão alerta para novas sensações...? Não faço sentido.

eu sei que não. Dói-me a cabeça e fiquei imóvel durante demasiadas horas. Imóvel a ouvir o relógio (aquele cujos ponteiros se movem com um barulho alto mas que nunca consegui deixar de usar).

a tv está silenciada. Oiço o relógio, a chuva e este teclado. Não é que prefira escrever aqui mas satisfaz-me a rapidez. Nunca consigo acompanhar o meu pensamento com a escrita manual. Nunca apago nenhuma palavra nem volto atrás no teclado. É mais directo, rápido e acredito que verdadeiro.

sabes quem vi há pouco a comentar a morte do Hawking? O Carlos Fiolhais. E... bateu-me. Foi difícil. Tive logo tantas perguntas que precisava de fazer! Onde está o livro sobre as estrelas que ele me assinou? Lembraste? Adoravas contar-me esta história. É ridículo como tenho uma memória fotográfica e sentimental de quando tinha 4 anos. É estranho. Lembro-me dos risos dos adultos quando fiz uma pergunta sobre estrelas mas ele foi muito simpático e disse que a minha pergunta fazia todo o sentido.

"Sabe quantas estrelas há no universo?" e os rostos viraram-se para mim e eu não percebi porquê. E riram-se. Mas ele, de cabelo desgrenhado, respondeu à minha pergunta como se eu fosse gente grande. E eu fiquei feliz. Porque afinal havia muitas mais estrelas do que eu imaginava... Embora me recorde bem da situação, tenho perguntas.

como - o que estava eu ali a fazer nesse dia? Onde foi exactamente (gostava de lá voltar)? Era costume levares-me a este tipo de apresentações? Será por isso que eu tenho a mania do espaço e dos buracos negros? Eu sabia explicar as minhas ideias com tão pouca idade? Onde é que arranjavas tantos livros sobre o espaço? Qual era a minha colecção preferida? Recordo-me bem de uma de capas prateadas... gostava de tentar adormecer enquanto estava aberta a página que mostrava o tamanho dos planetas em tamanhos proporcionais.

lembro-me de pensar "Eu estou aqui... no planeta terra..." e tentava cerrar os olhos para tentar perceber qual seria o meu tamanho comparativo ao tamanho do mundo. E as nebulosas... que tu disseste que tinham muitos metros, que era mais do que de casa até à praia onde vamos passar férias.

claro que depois apareciam os buracos negros... o grande mistério que era um objectivo de vida perceber. Tu explicavas bem - tanto quanto sabias - mas eu queria era mesmo ir numa nave espacial visitar um. Porque diziam que a matéria desaparecia nos buracos negros. E eu imaginava deixar cair um copo no ar e ele "puff", desaparece. "Desaparece para onde?! Deixa de existir?!".

imaginava mil e uma coisas que queria atirar para um buraco negro e ver desaparecer. "Em nome da ciência quando morrer quero ir para um". E tu não achavas grande piada, não percebias pois não?

hoje pensei "Quando morrer o Carlos Fiolhais vai morrer outra parte de mim". E fiquei assustada. E gostava tanto que o visses, eu sei que achavas imensa piada ao cabelo desalinhado mas ele hoje estava mais velho... de cabelos lisos... qualquer dia ele morre e todas as perguntas de estrelas vão morrer também.

entendes que estou a tentar prolongar a conversa até que me decida a falar do facto de teres tido o teu aniversário ontem... já me conheces.

pois bem. É uma grande merda, é uma grande confusão. Não fico feliz, não fico triste também. Pior do que isso tudo é ficar confusa. Era tudo mais fácil se encaixasse na dicotomia de bom ou mau... mas é confuso.

de vez em quando explicam-nos coisas sobre ti que nos fazem pensar que sentes mais do que queremos admitir e eu não sei como reagir. Fico feliz? Não posso. Fico arreliada? Pouco. Fico confusa e fecho-me em copas? Com certeza.

era mais fácil dizer uma de duas coisas - "Olá!! Parabéns!!" ou "*silêncio*" (porque já não há nada a acontecer). Mas o meio termo dá-me cabo do sistema. Começo a trincar a língua sem dar conta até doer bastante, as unhas vão-se roendo e as pernas ficam a saltitar no mesmo sítio.

bolas. Sabes qual é o problema? É que não me disseste adeus. Ou um adeus como devia ser, um adeus valente e com muxima.

foda-se já me esquecia, só agora dei conta ao escrever... quantas serão as palavras que deixei de dizer em dois anos? Aquelas palavras que eu pensava que toda a gente usava para depois descobrir que eras só tu que dizias e que era uma coisa de família... muxima. Muchima? Muxima? Não sei.

- fui agora pesquisar "muxima" e apareceu-me um bar num sítio qualquer. Pesquisei a seguir Muchima e apareceu isto - "Muchima is a travelling collection of the finest quality t-shirts and accessories."...

não conheço ninguém que saiba o que significa e é para mim uma das palavras mais importantes para descrever amor ou carinho. Mas deixa estar, já não sinto nada. Como as pernas depois de me sentar em cima delas umas valentes horas.

ia a dizer... que não disseste adeus. Sim, era isso. Pois, foste assim de repente e ainda tenho muitas perguntas. E não são perguntas que se coloquem a qualquer pessoa, são aquelas que só uma certa sábia poderia responder. Ou outra mas também já cá não está... e acho que tens alguma noção de que já morreu. Como as estrelas um dia vão morrer.

será que sabes? Desculpa se é a primeira vez que estás a entender isso, mas é verdade e já foi há algum tempo... e agora a quem faço perguntas? A minha memória é péssima para muitos momentos importantes e gostava de desenrolar um pouco de quem já fui... lembro-me muito bem de poucos momentos e tenho apagões gigantes durante anos. Não sei onde estive, por onde andei, quem conheci... por isso é que as estrelas são tão importantes. A Cassiopeia também continua sempre perto do meu ângulo de visão, sossega-me um pouco quando está muito brilhante e é, para mim, o meu norte.

"Cassiooopppeiiiaaaaa" já gritavam aqueles totós num concerto à beira-mar, o que nos rimos à conta da idiotice.

... mas quero terminar. Quero ir dormir, apagar. O mundo ficou bem mais devasso depois de tu deixares de ser.

provavelmente já o era mas quando estamos bem acompanhados a tristeza da existência é fácil de ignorar. De repente, quando tu deixaste de ser, foi como se de repente pudesse sentir tudo o que de mau pode existir. Já não consigo ignorar certas notícias ou "chutar para canto" outras emoções. De um momento para o outro os buracos negros estão em todo o lado e não fazem desaparecer - pelo contrário, expandem a matéria, esticam as verdades pouco atractivas e colocam o escuro em tudo quanto é cor.

obrigada por todos os anos que me deste. Eu prometo que vou tentar querer viver e fazer coisas mais ou menos saudáveis e essas coisas todas... Obrigada pelos teus anos, todinhos. A muxima... o nariz e o dedo que adivinha. Tanta sabedoria que eu desconhecia!

espero que não sofras. Espero mesmo mesmo mesmo mesmo mesmo que não sofras. Apesar de nos darem as boas notícias em tom de alento, eu não quero isso para nada - e desculpa lá por não querer. Mas gosto demais de ti para que saibas o que se passa. Gosto demais de ti para te saber só. Gosto demais de ti para sequer conceber a ideia que podes pensar que te abandonei.

e depois entram as estrelas e o espaço e o tempo e eu imagino "Como será um dia para ti? Sabes que é dia? Sentes como se fosse um ano ou um minuto apenas?" e entram todas as teorias sobre acelerações e matéria e vácuo... qualquer coisa onde o teu corpo pudesse permanecer para que o tempo a) revertesse, b) cavalgasse.

um dia à velocidade da luz eu faço-te uma visita. Para te gritar "Parabéns" pela última vez com a voz fininha, para te chatear. Para poderes dizer adeus. Para eu sossegar.

de qualquer forma e contra todas as outras vontades eu digo-te sempre a verdade. Não sei se faço o mais correcto mas só assim sei ser. Já te contei todas as estórias, mostrei-te todas as cores.

já foste bebé. E agora não estás longe de voltar a ser...

eu ficarei aqui. Confusa, meio quebrada. Sozinha, imóvel. De queixo cerrado até doer a cabeça. Porque em certos dias eu danço, com a música no volume máximo e fico feliz por existir.

porque até as estrelas desaparecem e os buracos negros não são para querer morrer.

gosto muito de ti, disso sabes. Parabéns atrasados em escrita porque na cabeça já andava o dia a cozinhar há muito...

adoro-te. Vejo a polaroid aqui ao lado e sorrio. Vejo a polaroid aqui ao lado e desfaço-me em lágrimas... depende dos dias. Às vezes choro de feliz e triste ao mesmo tempo.

pensavas que já me tinhas visto a passar por muitas emoções? Não ficaste para assistir à verdadeira montanha-russa! Mas não me importo, já foi.

parabéns, parabéns, parabéns e obrigada pelas estrelas, por me deixares viajar num mundo tão próprio, por me deixares crescer nas particularidades de uma criança que faz "perguntas difíceis e boas".

obrigada pelos lápis Noris de ponta arredondada. As fixações... obrigada pelos patins que me fizeram sentir que voava, pelos aplausos nas piruetas. Obrigada pela muxima, obrigada pela companhia, obrigada por seres como és, como já foste, como serás.

obrigada obrigada obrigada amo-te muito

M