"quando era pequenin(a)"...
... andei a juntar dinheiro para cryopreservation (não vou arriscar o português)...
li muito sobre o assunto, as ínfimas hipóteses da tecnologia do futuro poder reaver algo "o mais semelhante possível" à minha consciência do eu - depois da morte...
considerei corpo inteiro mas por um valor bastante inferior ficaria somente com a minha cabeça a repousar num tanque com outras 10 cabeças... não é de todo uma "loucura".
loucura é imaginar que talvez, um dia, esses corpos e cabeças possam ser reavivados e acordem para uma distopia que os vai encher de terror... na imensa solidão de serem sós e perdidos...
porque talvez... talvez! a tecnologia e o conhecimento vão permitir que a minha cabeça possa ser eu de novo - noutro corpo, num cruzamento cyborg ou algo in between.
robots, inteligência artificial, sexualidade na era da robótica... tudo muito interessante!
adorava a ideia de poder saber como era o ano 3000... 4000... adorava a ideia de ainda cá estar quando a humanidade desaparecer - seria por nossa culpa ou apenas o natural calor tórrido de um sol a implodir?
adorava a ideia de ser imortal... chorava ao pensar que tinha poucos anos de vida (depois de ter lido que passamos um terço da vida a dormir e que vivemos cerca de 75 anos).
"mas eu quero ir ao infinito! quero ainda ir ao espaço! ainda quero ver o futuro!".
os meus desenhos animados preferidos eram os The Jetsons.
Para mim, viver lá em cima, voar em vez de caminhar, ter um espaço familiar todo em space age era o meu sonho!
Ia para casa dos meus avós à hora certa e ficava pasmada a olhar para a streamline de cada frame. O aspecto fazia com que tivesse vontade de me inserir num ecran!
Confesso ainda hoje ter um fraco por tudo o que seja space age, streamline finais anos 50... quero uma casa assim...
e sim, houve a fase space age em que visitei tudo quanto era museu com as tais peças dos finais dos anos 60... os prateados, as linhas simples, o aspecto 2001 : Odisseia no Espaço... as cadeiras esféricas penduradas do tecto - "Mariana, este tecto não vai aguentar, deixa-te de ideias..."
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tive umas iguais... e dançava à Nancy Sinatra de vestidos go-go |
futuro, futuro, futuro... simplicidade, a imersão do ser humano com a robótica, a convivência (trágica ou fantástica) da IA com o humano...
depois deixei os prateados. comecei a gostar de cor-de-rosa. e azulão. CMYK são as minhas cores preferidas (a sério a sério).
comecei a acumular livros e K7's e CD's e posters e roupa e coisas e coisas e coisas,
ou seja,
foi-se a inocência, começou o querer por querer. gostar porque sim. não ter em vista um propósito para.
e assim foi. a Mariana space age que se vestia de prateado (nunca dourado!) e branco da cabeça aos pés (cabelo incluído) passou a ser multicolor...
e a vida deixou de ser infinita. e eu deixei de ser imortal.
o pânico seguiu-se e o pensamento de que "não vai haver tempo para tudo!!" - nessa altura já tinha perdido a fé na cryopreservation da minha pobre cabeça... até porque a logística era complicada para quem vive por estes lados...
quis então dizer a todos que as minhas cinzas seriam para ser espalhadas no espaço (já que era tarde para mudar as coisas e tentar meter-me na NASA).
e depois mudei de novo...
voltei ao prateado - sem o brilho.
e em vez de apagar o CMYK e o medo da morte acrescentei um outro pavor...
- a vida é demasiado curta para me preocupar com certas considerações que outras pessoas possam considerar fundamentais (e daí ocorrem problemas e atritos porque... nada me interessa muito quando é a sério a sério);
- a vida é tão curta e há tantos livros para ler e tanta música para ouvir e tantas coisas para aprender que me sinto desfeita por tamanha certeza - tenho então vontade de morrer o mais cedo possível porque quando mais me afeiçoar a estar viva mais difícil vai ser aceitar qualquer prognóstico desfavorável à vida.
ou seja,
e é neste limbo entre o querer viver para sempre e a certeza de que tal não irá acontecer que vivo todos os dias.
mas isso não é o pior.
o pior é ter plena consciência disso e o pensamento cruzar-se várias vezes ao dia no meu lobo frontal...
e depois...
pumba...
EDIT - tenho estado a voltar, slowly but surely, ao prateado... ao brilho, ao espaço, ao limpo, ao depurado...
se significa algo? Provavelmente. Mas não vou pensar nisso (pelo menos de forma intencional).
estou mesmo a voltar ao minimalismo. ainda nem sequer tinha consciência disso. Ando a tapar coisas em casa com tecido prateado e a minha cabeça ainda não tinha feito o clique. Uau, as maravilhas (únicas) de escrever um diário feito blogue...