masoquista
pousou a ponta da caneta no papel
(nada de lápis - assim é para sempre)
na inércia própria
de quem desenha
apenas porque o que resta fazer
não faz sentido.
cerrou os olhos, mas não só:
sobrancelhas franzidas
bochechas levantadas
lábios afinados em dúvida e esforço
imaginou-se a imaginar
a face de que precisava
para a tal missão
missão essa já era recorde
- adiada uma míriade de possíveis ocasiões
Perfeitamente distinta - a memória!
a unicidade da face
a coerência do corpo
e a recordação de, simplesmente, ser
sorriu e suspirou...
pontilhismo
ele era detalhe
ele era pormenor
ele era nuances
NADA!
linhas e linhas
sobrepostas - nunca seguidas
linhas e linhas
que eram ALGO
mas não davam aquela alegria
começou a morder os lábios
- mania chata e masoquista -
soltou-se um pouco de pele
que foi mastigada e mastigada...
do lábio inferior
já era capaz de saborear sangue
E novamente ali
a melhor fotografia
não só forma
mas também essência
ouvia o ruído do nada
que incomoda bem mais que uma multidão
ficou a saborear os lábios
a provocar a ferida
com a ponta da língua
no escuro de não querer ver
adormeceu
e sonhou com a imagem perfeita para o desenho nunca chegou a traçar