light my way
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respirou fundo duas vezes antes de abrir a porta.
olhou para o taxista uma última vez - tinha oferecido palavras reconfortantes durante o percurso.
abriu a porta com um safanão e num ápice subiu para ver o Cinzento.
fechou os olhos - atirou com a porta do táxi com o cotovelo esquerdo enquanto limpava as lágrimas (ou o que restava delas) com o braço direito.
nada. NADA.
somente tinha conhecimento de que este destino seria obrigatório. E permanente.
tinha passado a viagem toda a imaginar Cor - um futuro presenteiro com sabor a novidade.
rapidamente sumiram as ideias... assim que o avião desceu o nível das nuvens o coração também lhe caiu aos pés.
estava só e sozinha.
"terás o teu conforto nas tuas coisas... calma" repetiu para si enquanto via o Cinzento maior e maior.
ha! O quanto o destino se riu com desdém! Todos e quaisquer objectos que conseguiu armazenar à pressa em menos de uma hora tinham desaparecido. Ficou de olhos presos às bagagens que passavam e nada... nada...
nem sequer o mísero consolo material! Nada.
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começou a ouvir a batida do coração cada vez mais pronunciada... e de repente foi-se o som.
o macabro silêncio do mundo cheio envolveu-a numa cápsula onde ela era e não era.
sentiu-se tonta mas falou para si, baixinho - "agora não... vais descansar"
sim! O quente dos lençóis que fizessem chamar o sono, a posição horizontal que permitia ao coração, coitado, amainar a sua pressa.
os caminhos Cinzentos eram tortuosos! Placas repetidas, ruelas com os pormenores semelhantes - se não iguais -, caras repetidas, um compasso mecânico.
tudo Cinzento... o coração com o papel de banda sonora. Nos ouvidos, no peito, nos braços, no corpo todo - pulsava com o mesmo rancor de quem descobre que está inerentemente só.
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